sábado, 23 de março de 2024

As 9 questões a que a ciência não consegue responder

Por David Langness.


No site BahaiTeachings.org já publicámos vários artigos dedicados ao princípio básico da Fé Bahá’í sobre a harmonia entre ciência e religião. Mas será que a ciência tem todas as respostas? Nem por isso.

Todo cientista responsável admite pronta e humildemente que a própria ciência não tem respostas para muitas das nossas questões mais importantes. Mas estes tempos altamente científicos, porém, levam-nos a pensar o contrário – que a ciência pode – ou um dia poderá – dar todas as respostas às grandes questões da vida.

É verdade que a ciência e a tecnologia parecem resolver muitos dos nossos problemas, ou pelo menos oferecem potenciais soluções futuras. Talvez por isso algumas pessoas transformaram a ciência na sua quase-religião, vendo-a como um sistema de crenças mais amplo, em vez de uma metodologia destinada a encontrar formas de compreender o mundo natural. Mas a ciência cria um sistema de crenças fraco, porque o cepticismo impulsiona a ciência. A ciência pede-nos que se evite qualquer juízo final ou crença forte, porque as suas conclusões estão sempre sujeitas a revisão por novas descobertas.

Assim, ao pensar nas grandes questões que a ciência não consegue responder, compilei uma lista extraída não só da minha própria curiosidade e investigação, mas também dos escritos de vários cientistas, filósofos e pensadores proeminentes. Nesta série de artigos, vamos explorar estas questões e ver se conseguimos encontrar respostas nos ensinamentos Bahá'ís que, até agora, têm escapado à ciência.

Desde o início, percebi que estas questões se enquadram em duas categorias distintas: as questões que a ciência não consegue responder, e aquelas que a ciência simplesmente ainda não respondeu. A ciência é uma ferramenta poderosa e, desde 1833 - quando a palavra “cientista” foi usada pela primeira vez - muitas pessoas duvidaram da sua capacidade de descobrir os segredos e verdades mais profundas do universo material. A maioria dessas pessoas estava errada.

No passado, a ciência aceitou de forma geral a teoria da eugenia – a ideia agora completamente desacreditada de “racismo científico”, uma teoria segundo a qual a humanidade consiste em raças superiores ou inferiores, fisicamente distintas. Esta teoria tornou-se popular não apenas entre os cientistas, mas também entre os líderes governamentais e filósofos, e levou à chamada “solução final” do nazismo e a outras atrocidades genocidas. Os campos da genética evolutiva humana e da antropologia contemporânea não só provaram que a eugenia é completamente falsa, como também forneceram um enorme conjunto de provas científicas da unidade genética de todos os grupos raciais.

Na astronomia, é claro que passámos da crença de que a Terra era o centro do universo conhecido para o modelo heliocêntrico, e depois para a crescente percepção de que o nosso pequeno planeta azul não tem absolutamente nenhum direito de singularidade ou unicidade. Num outro caso conhecido, Albert Einstein, que originalmente acreditava num universo estático e escreveu artigos científicos tentando provar a sua afirmação, teve de ser convencido de que o universo se encontra em expansão pelo cientista Edwin Hubble. Einstein descreveu a sua conclusão inicial como “o maior erro” de toda a sua carreira científica.

Apesar do seu historial de conclusões incorretas, a ciência domina o pensamento moderno – e assim deve ser. Construímos uma civilização e um corpo de conhecimentos sem precedentes, e devemos muito disso aos avanços que se tornaram possíveis com a ciência. Na verdade, o princípio Bahá’í de concordância entre ciência e religião privilegia a ciência em detrimento da fé cega, do dogma e da tradição religiosa. As Escrituras Bahá’ís dizem: “Não há contradição entre a verdadeira religião e a ciência. Quando uma religião se opõe à ciência, torna-se mera superstição: o que é contrário ao conhecimento é a ignorância. Como pode um homem acreditar ser um facto aquilo que a ciência provou ser impossível? Se ele acredita apesar da sua razão, é mais uma superstição ignorante do que fé. Os verdadeiros princípios de todas as religiões estão em conformidade com os ensinamentos da ciência.”

As Escrituras Bahá'ís também dizem que “… a religião e a ciência estão em completa concordância. Toda religião que não está de acordo com a ciência estabelecida é superstição. A religião deve ser racional. Se não se enquadra na razão, então é superstição e não tem fundamento.

Na internet podemos encontrar literalmente centenas de listas de perguntas a que a ciência ainda não respondeu – o que é energia escura, porque é que os gatos ronronam, como é que a gravidade funciona, porque é que as bicicletas permanecem em pé, quanto tempo vive um protão, etc. Revi estas questões, e tentei separar estas questões ainda sem resposta sobre a nossa existência física de outras questões ainda maiores – aquelas que a ciência provavelmente nunca conseguirá responder, porque a natureza da própria questão ultrapassa os limites da investigação científica. A minha lista, então, tenta separar o puramente físico daquilo que é metafísico ou espiritual, e foca-se nas grandes questões:

1. Porque estou aqui?
2. Eu tenho alma?
3. Qual é o meu propósito?
4. O universo teve um início?
5. O universo tem limites?
6. Porque é que as coisas existem?
7. Existe Deus?
8. A humanidade precisa de religião?
9. Como devo viver?

Portanto, vamos analisar estas questões profundas, uma por uma, nesta série de artigos, e decidir se podemos encontrar a “concordância completa” entre religião e ciência que os ensinamentos Bahá’ís prometem.

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Texto original: 9 Big Questions Science Alone Can’t Answer (www.bahaiteachings.org)


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David Langness é jornalista e crítico de literatura na revista Paste. É também editor e autor do site BahaiTeachings.org. Vive em Sierra Foothills, California, EUA.

terça-feira, 19 de março de 2024

Naw-Ruz: um Novo Dia, um Novo Ano!


Feliz Ano Novo! Não, não estamos três meses atrasados – porque estamos no equinócio vernal, e há muitas pessoas em todo o planeta celebram o Dia de Ano Novo, incluindo os Bahá’ís.

Você já ouviu falar do Naw-Ruz? Significa “novo dia” em persa, e múltiplas regiões e religiões celebram-no como um dia sagrado, incluindo os zoroastrianos, muitos muçulmanos e todos os Bahá’ís.

O Naw-Ruz - observado em todo o mundo há mais de três mil anos - ocorre quando o Sol cruza o equador celeste e o dia e a noite têm uma duração igual. É o momento em que a primavera começa no Hemisfério Norte.

Como a maioria dos dias santos felizes, a celebração do Ano Novo Bahá’í geralmente inclui cânticos, comida, dança e socialização. Nas comunidades Bahá’ís, reúne-se um grupo caloroso, diversificado e fascinante de pessoas para celebrar, divertir-se, desfrutar da companhia uns dos outros, e acolher com alegria as possibilidades emocionantes e ilimitadas de um novo ano. Se visitar hoje a sua comunidade Bahá’í local, é provável que encontre uma festa.

Mas o Naw-Ruz também representa algo muito mais importante do que celebrar o início de mais um novo ano: simboliza o advento e a chegada de uma revelação inteiramente nova:

A Revelação que, desde os tempos imemoriais, tem sido aclamada como o Propósito e a Promessa de todos os Profetas de Deus, e o Desejo mais acalentado dos Seus Mensageiros, foi agora revelada aos homens, em virtude da Vontade universal do Omnipotente e da Sua ordem irresistível. O advento dessa Revelação foi anunciado em todas as Escrituras Sagradas. (Gleanings from the Writings of Baha’u’llah, III)

Os ensinamentos Bahá’ís explicam que Naw-Ruz representa “o Dia de Deus”, quando ocorre um novo despertar do espírito, surge uma primavera espiritual, e a luz de uma nova revelação brilha igualmente sobre a totalidade da criação de Deus:

É o Ano Novo – isto é, a perfeição do ciclo anual. Um ano é a expressão de um ciclo (do sol). Mas agora é o início de um ciclo de Realidade, um Novo Ciclo, uma Nova Era, um Novo Século, um Novo Tempo e um Novo Ano. Portanto, é muito abençoado.

O nascer do sol no equinócio é o símbolo da vida, e da mesma forma é o símbolo dos Manifestantes Divinos de Deus, pois o nascer do Sol da Verdade no Céu da Generosidade Divina estabeleceu o sinal da Vida para o mundo. A realidade humana começa a viver, os nossos pensamentos são transformados e a nossa inteligência é despertada. O Sol da Verdade concede a vida eterna, assim como o sol solar é a causa da vida terrestre.

Este tempo é a Era Prometida... Em breve o mundo inteiro, como na primavera, mudará de vestes... O Ano Novo apareceu e a primavera espiritual está próxima. (‘Abdu’l-Baha, Star of the West, Volume 9, p. 345)

Os Bahá'ís acreditam que o advento dos mensageiros gémeos que fundaram a Fé Bahá’í – o Báb e Bahá’u’lláh – inaugurou uma nova era. Desde então, o poder espiritual, o conhecimento profundo e os ideais impactantes dos ensinamentos Bahá'ís espalharam-se por todo o mundo. Esses ideais, infundidos de amor, compaixão e unidade, estão agora despertando um novo espírito de vida:

... a antiga primavera voltou; o mundo ressuscita, ilumina-se e alcança a espiritualidade; a religião renova-se e reorganiza-se, os corações voltam-se para Deus, o chamamento de Deus é escutado, e a vida é novamente concedida ao homem. Durante muito tempo o mundo religioso esteve enfraquecido e o materialismo avançou; as forças espirituais da vida estavam enfraquecidas, a moral tinha-se degradado, a tranquilidade e a paz tinham desaparecido das almas, e as qualidades satânicas dominavam os corações; a luta e o ódio ensombravam a humanidade, o derramamento de sangue e a violência prevaleciam. Deus fora negligenciado; o Sol da Realidade parecia ter desaparecido completamente; a privação das graças do céu era um facto; e assim a estação do inverno caiu sobre a humanidade. Mas na generosidade de Deus uma nova primavera amanheceu, as luzes de Deus brilharam, o resplandecente Sol da Realidade regressou e tornou-se manifesto, o reino dos pensamentos e o reino dos corações tornou-se exultante, um novo espírito de vida soprou no corpo do mundo, e o progresso contínuo tornou-se evidente. (‘Abdu’l-Bahá, The Promulgation of Universal Peace, p. 94)

Assim, o Naw-Ruz, um dos dias mais felizes de todo o ano Bahá’í, celebra não apenas o Ano Novo, mas uma era inteiramente nova na evolução humana. Temos agora a capacidade, o poder e a orientação espiritual - prometem-nos os ensinamentos Bahá'ís - para unir a humanidade e acabar com os flagelos da guerra, da fome e da miséria.

Assim, para os Bahá'ís, o Naw-Ruz não é apenas uma festa – serve como uma lembrança profunda da unidade de todos os mensageiros de Deus, da primavera espiritual que cada um deles trouxe à humanidade, e da alegre chegada do mais recente.

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Texto original: Naw-Ruz: It’s a New Day, and a New Year! (www.bahaiteachings.org)


segunda-feira, 18 de março de 2024

Os Muitos Significados do Ano Novo Baha’i (Naw-Ruz)

Por Sanaz Khosravi.


Tendo crescido no Irão e sendo Bahá’í, o Naw-Ruz foi sempre a celebração mais significativa do ano para a minha família – por várias razões.

Todos os anos, alguns meses antes desta celebração especial, eu ficava entusiasmada para ir às compras com os meus pais para comprar roupas novas que pudesse usar no dia de Naw-Ruz. Também adorava preparar a nossa mesa Haft-Sin – uma tradição persa que envolve sete símbolos da vida – e, talvez sem surpresa, fiquei emocionada por não ter escola ou trabalhos de casa durante duas semanas. Famílias de todo o país juntavam-se às festividades, muitas vezes visitando os seus familiares e parentes mais velhos, e esquecendo-se de qualquer desavença do ano passado, para restaurar as suas relações e amizades.

Quando eu era criança, o Naw-Ruz significava principalmente pintar os ovos para o Haft-Sin e receber presentes dos meus avós. No entanto, ao ficar mais velha, compreendi que o Naw-Ruz está enraizado na tradição zoroastriana e é celebrado não só pelos iranianos, mas também por muitas outras etnias, e noutros países do Médio Oriente e da Ásia Central.

Aprendi também que o Naw-Ruz não é apenas um feriado de enorme significado cultural para alguns povos, mas também contém um grande significado religioso para os Bahá'ís, que o consideram um dia sagrado que assinala o início de cada novo ano, de acordo com o calendário Bahá'í. Por esta razão, o Naw-Ruz é observado de forma consistente e alegre pelos Bahá’ís em todo o mundo, como uma grande e festiva celebração religiosa que contém muitos níveis de significado e, portanto, muitas coisas para celebrar.

Talvez o significado mais óbvio do Naw-Ruz seja o início de um novo ano. Antes da chegada de cada Naw-Ruz, a minha família encontra momentos para reflectir sobre o ano que está a chegar ao fim e sobre aquele que está prestes a começar. Reflectimos sobre o que poderíamos ter feito para melhorar a qualidade das nossas vidas e quais planos e decisões que deveríamos tomar no futuro. Esta reflexão é facilitada pelo facto de o Naw-Ruz ser precedido pelo Jejum Bahá'í de 19 dias, no qual os Bahá'ís de todo o mundo revêem e meditam sobre o ano que passou, e esforçam-se por melhorar as suas qualidades e virtudes espirituais, tais como a paciência, o desprendimento e a firmeza. Durante o Jejum, os Bahá'ís acordam de manhã cedo para beber e comer antes do nascer do sol, e a minha família aproveita o tempo extra que isso proporciona para recitarmos orações juntos, desenvolvermos conversas espirituais, estudar as palavras de Deus, reflectir sobre o ano passado e estabelecer objectivos e planos para o ano seguinte.

Outro significado do Naw-Ruz, que também aprecio, é a sua coincidência com o primeiro dia de primavera no hemisfério norte. O meu espírito delicia-se com a maneira como tudo na natureza ganha uma nova vida e se revigora neste momento: as árvores desenvolvem-se, as flores desabrocham e as ervas voltam a crescer, tornando os campos verdes.

Além disso, para os Bahá'ís, as mudanças físicas, o crescimento e a novidade da primavera são símbolos de renovação espiritual:

O Ano Novo chegou e a primavera espiritual está próxima. (Tablets of Abdu’l-Baha Abbas, p. 318)

O que significa “primavera espiritual”? Considerando que a primavera é a época do ano em que todas as coisas se renovam, renascem e regeneram, os ensinamentos Bahá'ís usam-na como uma metáfora para a forma como Deus envia os Seus mensageiros e profetas à humanidade em todas as eras, sempre que uma renovação espiritual é necessária. Estes profetas expressam, em cada época, os ensinamentos espirituais intemporais das religiões do mundo (que muitas vezes foram esquecidos), enquanto fornecem novos ensinamentos divinos que permitem à humanidade progredir para a próxima fase da sua evolução social e espiritual. Tal como o sol faz renascer toda a vida material na primavera, estes mensageiros divinos fazem renascer a vida espiritual da humanidade.

Ó amigos! Incumbe-vos refrescar e reavivar as vossas almas com os graciosos favores que nesta Divina e comovente Primavera estão a ser derramados sobre vós. A Estrela Matinal da Sua grande glória derramou o seu brilho sobre vós, e as nuvens da Sua graça ilimitada cobriram-vos. (Gleanings from the Writings of Baha’u’llah, p. 94)

Assim, para os Bahá’ís, o Naw-Ruz comemora não apenas o ano novo e as alegrias da primavera, mas também a alegria de ter recebido a nova mensagem de Deus para a humanidade neste momento da sua história e desenvolvimento. 'Abdu'l-Bahá escreveu:

Desejo que esta bênção suja e se manifeste nos rostos e nas características dos crentes, para que também eles se tornem um novo povo e, tendo encontrado uma nova vida e sido baptizados com fogo e espírito, possam fazer do mundo um novo mundo, para que a velha terra desapareça e a nova terra surja; que as velhas ideias se afastem e novos pensamentos surjam; que as velhas roupas sejam rejeitadas e roupas novas sejam usadas; que a política antiga, cujo fundamento é a guerra, seja abandonada, e a política moderna, baseada na paz, eleve o padrão da vitória; que a nova estrela brilhe e resplandeça e o novo sol ilumine e irradie; que as novas flores desabrochem, a nova primavera se torna conhecida; que a nova brisa sopre; que a nova dádiva seja transmitida; que a nova árvore dê novos frutos; que a nova voz se eleve e este novo som chegue aos ouvidos, que o novo suceda ao novo, e todos os adornos e decorações antigas serão postos de lado, e novas decorações colocadas nos seus lugares. (Tablets of Abdu’l-Baha Abbas, p. 38)

Neste espírito, o Naw-Ruz é uma ocasião perfeita para contemplar como podemos lutar, dia após dia, para crescer espiritualmente, servir a humanidade e esforçar-nos por melhorar o mundo.

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Texto original: The Many Meanings of the Baha’i New Year (Naw-Ruz) (www.bahaiteachings.org)


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Sanaz Khosravi é engenheira de software com bacharelato em ciência da computação pelo BIHE (Baha’i Institute for Higher Education) e Mestrado em engenharia de software pela San Jose State University. Sanaz nasceu e cresceu em uma família Bahá'í em Shiraz, no Irão, e mais tarde mudou-se para os EUA. Tem experiência em actividades comunitárias e trabalho com populações carentes. Sanaz trabalhou em vários projetos de tecnologia, como o Baha’i Daily. Actualmente trabalha como engenheira de software, ensina alunos do BIHE diversas disciplinas de ciência da computação; também escreve e faz traduções no seu tempo livre

segunda-feira, 11 de março de 2024

A Estupidez, segundo Dietrich Bonhoeffer

A estupidez é mais perigosa que a maldade. Contra o mal pode-se protestar; o mal pode ser exposto, revelado; pode também ser evitado, se necessário, até pela força; o mal tem sempre consigo o germe da sua própria destruição, na medida em que deixa pelo menos um sentimento de desconforto nos seres humanos. Contra a estupidez estamos indefesos. Aqui nada se consegue com protestos ou com o uso da força; os raciocínios são em vão; simplesmente, não se acredita em factos que contradigam a própria opinião – nessas ocasiões, o estúpido torna-se ainda mais crítico – e quando os factos são irrefutáveis, são postos de lado como inconsequentes ou fortuitos. Em tudo isto, o estúpido, ao contrário da pessoa maldosa, sente-se completamente satisfeito consigo próprio, e enfurecendo-se facilmente, até se tornando perigoso e atacando. Por esse motivo, é necessária uma maior cautela do que com a pessoa malvada. Nunca devemos tentar convencer o estúpido pela razão, pois é inútil e perigoso.

Para saber lidar melhor com a estupidez, é preciso procurar entender a sua natureza. Não se trata essencialmente de um defeito intelectual, mas de um defeito humano. Existem pessoas de inteligência extraordinariamente perspicaz que são estúpidas, e pessoas intelectualmente amorfas que podem ser tudo, menos estúpidas. Descobrimos isto para nossa surpresa em situações particulares. A impressão que fica é que a estupidez não é um defeito congénito, mas que, em certas circunstâncias, as pessoas tornam-se estúpidas ou permitem que isso lhes aconteça. Também notamos que as pessoas que se isolaram dos outros ou vivem em solidão, manifestam este defeito menos frequentemente do que pessoas ou grupos de pessoas propensos ou condenados a sociabilizar. Assim, parece que a estupidez é um problema mais sociológico do que psicológico. É uma forma especial de influência das circunstâncias históricas nos seres humanos, uma consequência psicológica de certas circunstâncias externas.

Numa análise mais detalhada, torna-se aparente que toda a expansão do poder na esfera pública, seja de natureza política ou religiosa, contamina uma grande parte da humanidade com estupidez. Parece tratar-se de uma lei psicológica e sociológica. O poder de um precisa da estupidez de outro. O processo que ocorre não significa que faculdades humanas específicas, como por exemplo, o intelecto, definhem ou falhem subitamente. Pelo contrário, parece que sob o impacto esmagador de um poder crescente, os seres humanos ficam privados da sua independência interior, e de forma mais ou menos consciente desistem de manter uma posição autónoma em relação às circunstâncias emergentes. O facto de a pessoa estúpida ser muitas vezes teimosa não nos deve impedir de perceber que ela não é independente. Conversando com ela podemos perceber que não estamos a lidar com uma pessoa, mas com slogans, chavões e coisas semelhantes que se apoderaram dela. Ela está enfeitiçada, cega, abusada no seu próprio ser. Tendo-se tornado um instrumento sem vontade própria, a pessoa estúpida também é capaz de qualquer fazer mal, e simultaneamente é incapaz de o ver como mal. É aqui que se esconde o perigo do seu uso diabólico, pois é isto que pode destruir os seres humanos para sempre.

E assim, torna-se aqui muito claro que apenas um acto de libertação – e não de instrução – pode superar a estupidez. Aqui temos de aceitar o facto de que na maioria dos casos uma libertação interna genuína apenas é possível quando precedida por uma libertação externa. Até lá, devemos desistir de todas as tentativas de convencer a pessoa estúpida. Este estado de coisas explica porque é que nessas circunstâncias são vãs as nossas tentativas para conhecer aquilo que “o povo” realmente pensa, e porque nestas circunstâncias esta questão é tão irrelevante para a pessoa que pensa e age de forma responsável. As palavras da Bíblia de que o temor a Deus é o princípio da sabedoria declara que a libertação interna dos seres humanos para viver uma vida responsável diante de Deus é a única forma genuína de superar a estupidez.

Mas estes pensamentos sobre a estupidez também são reconfortantes, pois proíbem-nos absolutamente de considerar a maioria das pessoas como sendo estúpidas em todas as circunstâncias. Na verdade, dependerá de os que estão no poder esperarem mais da estupidez das pessoas do que da sua independência e sabedoria interiores.

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Dietrich Bonhoeffer, from ‘After Ten Years’ in Letters and Papers from Prison (Dietrich Bonhoeffer Works/EnglishMN: Fortress Press, 2010.

sábado, 9 de março de 2024

Da Alienação à Comunidade Global

Por David Langness.


Na nossa era pós-moderna, temos notoriamente – e tragicamente – desgastado e fragmentado os laços da comunidade humana.

Filósofos e psicólogos contemporâneos dizem que o nosso sentimento de separação e desunião se tornou tão pronunciado, que são cada vez mais as pessoas sentem pouca lealdade para com qualquer comunidade maior que a sua família ou os seus amigos próximos. Em vez disso, muitas pessoas encontram-se afastadas e isoladas, sem uma ligação comunitária com outras pessoas, ou um sentimento de pertença a qualquer grupo maior, coeso e solidário.

É evidente que existe uma enorme multidão de pessoas que se sentem indesejadas, à deriva, marginalizadas e sozinhas.

Alguns culpam a Internet por esta ausência de uma ética social, por esta ruptura da relação entre o indivíduo e a comunidade. Mas a anomia, a alienação e a falta de valores partilhados na sociedade existem há muito mais tempo do que os computadores. A nossa arte e a nossa literatura provam isso.

Fiódor Dostoievski
Uma das primeiras grandes obras de arte a explorar este assunto veio do lendário romancista russo Fiódor Dostoievski, que escreveu sobre a alienação existencial no seu livro seminal de 1880, Os Irmãos Karamazov. O romance de Dostoievski expressa as suas opiniões sobre Deus, a falta de fé, o livre arbítrio, a moralidade e a razão, tudo contra uma sociedade em rápida fragmentação e industrialização. No seu romance exemplar, vemos os terríveis efeitos da desunião, da aversão e do distanciamento nos indivíduos, nas famílias e em culturas inteiras. A obra magistral de Dostoievski faz-nos sentir o desespero de pessoas cujo sentido de comunidade se evaporou à medida que o mundo passou de uma existência mais lenta e pastoral para um ritmo de vida mecanizado e muito mais frenético.

Os Irmãos Karamazov – universalmente considerada uma das maiores e mais profundas obras de ficção alguma vez escritas – inspiraram muito outras obras literárias sobre alienação e pavor existencial de escritores como Kafka, Camus, Eliot, Joyce e Ellison. A sua exploração artística profunda centrou-se na impotência, na falta de sentido, no isolamento e na falta de fé que as sociedades contemporâneas podem produzir.

Mas a sua visão sombria de um mundo moderno desprovido de sentido comunitário não tem de se tornar a nossa realidade.

Embora Dostoievski tenha escrito o seu romance no final do século XIX, a Fé Bahá’í e os seus novos ensinamentos sobre uma comunidade global unificada já tinham começado a espalhar-se por todo o mundo e na consciência da humanidade. Hoje, comunidades Bahá’ís unidas, calorosas e acolhedoras florescem em quase todas as nações da Terra, e todos podem encontrar, ligar-se e juntar-se a uma dessas comunidades – que formam uma comunidade global unida.

Os Bahá’ís vêem este ressurgimento da comunidade, esta alegre unidade forjada a partir da enorme diversidade mundial, como um dos resultados mais felizes, mais saudáveis e mais humanitários de todos os ensinamentos de Bahá’u’lláh.

Isto porque os ensinamentos de Bahá’u’lláh – que servem de base para esta renovação crescente da comunidade em todo o mundo – enfatizam a unidade mundial, o amor pela humanidade e a eliminação de todas as formas de preconceito. Exortam-nos a quebrar as barreiras de raça, classe, etnia e nacionalidade que mantêm as pessoas isoladas e separadas. Em última análise, eles incentivam-nos a unirmo-nos como um só.

As comunidades Bahá’ís existem em quase todo o lado. Onde quer que existam, os Bahá’ís concentram-se na construção de um sentido de associação próxima, de espírito mundial e de apoio, de assistência mútua e de respeito amoroso por todos. As actividades Bahá’ís de construção de comunidades envolvem crianças, jovens e adultos numa nova forma dinâmica, interessante e desafiante de estabelecer ligações, que oferece a todos um sentimento de contribuição, pertença e participação – o que serve como antídoto para a alienação e a separação. Esta poderosa força criadora de comunidades desencadeada por Bahá’u’lláh centra-se na necessidade humana universal de apoio, consulta e ligação, e foca-se no estabelecimento da unidade entre todos os povos e culturas:

Hoje, neste mundo, cada povo vagueia perdido no seu próprio deserto, movendo-se aqui e ali de acordo com os ditames das suas fantasias e veleidades, seguindo os seus caprichos particulares. Entre todas as numerosas multidões da terra, apenas esta comunidade [de Bahá’ís] está livre e isenta de maquinações humanas, e não tem qualquer propósito egoísta a promover. Sozinho entre todos eles, este povo surgiu com objectivos purificados de si mesmo, seguindo os Ensinamentos de Deus, trabalhando arduamente e esforçando-se em direcção a um único objetivo: transformar este pó inferior num céu superior, fazer deste mundo um espelho para o Reino, para transformar este mundo num mundo diferente, e fazer com que toda a humanidade adopte os caminhos da rectidão e um novo modo de vida. (Selections from the Writings of Abdu’l-Baha, nº 35)

Quando tomar a decisão individual, pessoal e espiritual de explorar e aprender sobre a Fé Bahá’í, conhecerá as pessoas da sua comunidade Bahá’í local. Grande ou pequena, essa comunidade local existe para nutrir, ajudar e apoiar espiritualmente os seus membros, os seus amigos e todos os outros. No caloroso abraço dessa comunidade, os buscadores e os novos Bahá’ís podem fazer amigos para toda a vida, experimentar a vasta e alegre diversidade dos Bahá’ís e das suas origens, e descobrir um sentido recém-despertado de proximidade e unidade entre as pessoas.

Todos os Bahá’ís fazem parte de uma comunidade e cultura Bahá’í globais, que oferecem um modelo crescente, adaptável e baseado na aprendizagem de como diversas pessoas podem viver juntas em harmonia e unidade. Os Bahá’ís lutam pela cidadania mundial, e isso significa que a comunidade mundial Bahá’í se tornou um dos corpos mais unidos de pessoas na Terra. Todos podem participar, acrescentando a sua contribuição e inspiração. Nenhuma outra força organizada para o bem tem o âmbito, a diversidade e a unidade mundiais da comunidade Bahá'í – e devido a esse alcance e sinergia únicos, nenhuma outra comunidade tem uma capacidade tão imediata e enormemente poderosa de transmitir a consciência da cidadania mundial.

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Texto original: From Alienation to a Global Community (www.bahaiteachings.org)


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David Langness é jornalista e crítico de literatura na revista Paste. É também editor e autor do site BahaiTeachings.org. Vive em Sierra Foothills, California, EUA.

sábado, 2 de março de 2024

Jejuar, Orar e Meditar: acender o Fogo com o Amor de Deus

Por David Langness.


Alguma vez teve um momento transcendente e sentiu-se levado por um estado místico de felicidade? Não foi maravilhoso? Gostaria de ter essas experiências intensas com mais frequência?

Todo o buscador espiritual vive para essas percepções profundas e poderosas sobre os aspectos transcendentes da vida.

Na verdade, as pessoas passam a vida inteira em busca dessa experiência espiritual transformadora. Todo o buscador deseja nadar no mar de mistérios e desenvolver um sentido de unidade, unicidade e ligação com uma consciência maior.

Mas como podemos encontrar essa transcendência – e quando a encontrarmos, como a sustentamos?

Os ensinamentos Bahá’ís apresentam três recomendações claras para quem procura uma experiência espiritual transcendente: meditação, oração e jejum. Todas essas técnicas para alimentar a nossa luz interior começam com a capacidade distintamente humana de autorreflexão e contemplação silenciosas. Bahá’u’lláh disse que:

...o sinal do intelecto é a contemplação e o sinal da contemplação é o silêncio, porque é impossível para um homem fazer duas coisas ao mesmo tempo – ele não pode falar e meditar ao mesmo tempo. (citado em The Importance of Prayer, Meditation and the Devotional Attitude: A Compilation)

Este estado de contemplação meditativa – o acto de sentar-se silenciosamente em pensamento profundo, de comungar com a sua consciência interior, aquela prática espiritual regular que os mestres Zen chamam zazen – pode ser particularmente eficaz e poderosa durante o período anual do jejum Bahá'í.

'Abdu'l-Bahá, numa palestra pública em Paris há mais de cem anos, encorajou todos os que procuram uma compreensão da dimensão mística da vida a desenvolverem uma prática meditativa regular:

A meditação é a chave para abrir as portas dos mistérios. Nesse estado, o homem abstrai-se; nesse estado, o homem retira-se de todos os objetos externos; nessa disposição subjetiva, ele está imerso no oceano da vida espiritual, e pode revelar os segredos das coisas em si próprias. Para ilustrar isto, pensem no homem como dotado de dois tipos de visão; quando o poder da percepção está a ser usada, o poder externo da visão não vê. Esta faculdade de meditação liberta o homem da natureza animal, discerne a realidade das coisas, coloca o homem em contacto com Deus. (citado em Prayer and Devotional Life)

Os ensinamentos Bahá’ís não têm técnicas, horários ou princípios recomendados para a meditação – os Bahá’ís são livres de meditar da forma que lhes for mais conveniente. Mas o Guardião da Fé Bahá’í, Shoghi Effendi, recomendou que os Bahá’ís aumentassem e intensificassem os seus esforços de meditação durante os dezanove dias do Jejum Bahá’í:

O Jejum é essencialmente um período de meditação e oração, de recuperação espiritual, durante o qual o crente deve esforçar-se por fazer os reajustes necessários na sua vida interior, e por refrescar e revigorar as forças espirituais latentes na sua alma. (citado no Kitab-i-Aqdas)

Para os Bahá’ís, ficar apenas sem comer e beber durante o dia, num acto meramente físico de abnegação, não constitui realmente um verdadeiro Jejum. Em vez disso, como sugerem os ensinamentos Bahá’ís, a meditação e a oração funcionam como parte integrante do jejum, tornando-o completo. Esses aspectos contemplativos do Jejum têm um objetivo único – alcançar os momentos transcendentes que as nossas almas desejam e encontrar o alimento espiritual de que necessitamos. 'Abdu'l-Bahá disse:

Através da faculdade da meditação o homem alcança a vida eterna; através dela, ele recebe o sopro do Espírito Santo – a dádiva do Espírito é concedida na reflexão e na meditação.

O próprio espírito do homem é informado e fortalecido durante a meditação; através dela, os assuntos dos quais o homem nada sabia são revelados diante dos seus olhos. Através dela, ele recebe inspiração divina; através dela, ele recebe alimento celestial. (Paris Talks)

A meditação permite simplesmente que a pessoa fale com o seu próprio espírito. Praticamente qualquer pessoa que reserve dez, quinze ou vinte minutos todos os dias, e se sente onde nada perturbe a sua concentração interior, pode meditar. É especialmente fácil durante o jejum, quando as primeiras horas próximas ao nascer do sol ou o horário normal reservado para o almoço podem ser usados para meditar. Em vez de preparar e comer alimentos, podemos preparar as nossas almas para o alimento espiritual de que tanto necessitam.

Professores experientes de meditação recomendam algumas maneiras básicas de fazer isso funcionar: desligue o telemóvel, a televisão e qualquer outro aparelho electrónico que possa interferir. Lave o rosto e as mãos para se sentir exteriormente limpo e revigorado. Sente-se num lugar onde não haja distrações. Fique confortável. Faça uma oração. Então, tente limpar a sua mente de todos os pensamentos estranhos e ouça o seu espírito. Franz Kafka descreveu desta forma:

Você não precisa sair do seu quarto. Permaneça sentado à sua mesa e escute. Nem ouça, simplesmente espere. Nem espere, fique quieto e solitário. O mundo irá oferecer-se livremente para ser desmascarado, não terá escolha, revolver-se-á em êxtase aos seus pés.

É possível descobrir, ao iniciar uma prática consistente de meditação, que se consegue a reconhecer outras pessoas que meditam regularmente. Percebe-se a sua felicidade pacífica e serena, a sua calma espiritual clara - e eles notarão a sua.

A meditação e o jejum juntos podem ajudar a levar cada um de nós para esse estado transcendente onde incandescemos com o fogo do amor de Deus.

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Texto original: Fasting, Praying, and Meditating: Catching Fire from the Love of God (www.bahaiteachings.org)


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David Langness é jornalista e crítico de literatura na revista Paste. É também editor e autor do site BahaiTeachings.org. Vive em Sierra Foothills, California, EUA.

sábado, 24 de fevereiro de 2024

Jejuar como um Bahá'í

Por David Langness.


Todos os anos, por esta altura, vários amigos perguntam-me: “Se eu quiser participar no jejum Bahá'í, posso fazê-lo?” “Claro”, é a minha resposta.

E há dois dias, outro amigo perguntou-me: “Tenho de ser Bahá’í para fazer jejum?” “Não, não é preciso”, foi a minha resposta.

Tendo em conta este nível de interesse em jejuar com os Bahá'ís, pensei que seria útil resumir as implicações do jejum bahá'í e esclarecer todos sobre o que é necessário para jejuar como um Bahá'í.

Mas primeiro é útil compreender que o jejum Bahá'í não é apenas um acto físico – é principalmente um exercício espiritual. No Seu Livro da Certeza, Bahá'u'lláh escreveu:

E tal como o sol e a lua constituem os mais proeminentes luminares nos céus, similarmente no céu da religião de Deus foram prescritos dois corpos celestiais: jejum e oração. (O Livro da Certeza, ¶40)

O jejum não é apenas uma prática Bahá'í, como se deduz desta citação. Em vez disso, teve um lugar de destaque nas práticas de todas as religiões. Então, vamos ver como – e porquê – os Bahá’ís em todo o mundo se abstêm de comer e beber durante o dia, ao longo de 19 dias consecutivos.

Abster-se de Comida e Bebida durante o Dia

O jejum Bahá'í ocorre durante o mês Bahá'í que antecede o Ano Novo Bahá'í (chamado Naw-Ruz, em persa) no Equinócio de Março. Durante aqueles 19 dias do ano, os Bahá'ís de todo o mundo abstêm-se de comer e beber durante o dia.

Os Bahá'ís jejuam desta forma, seguindo o mandamento de Bahá'u'lláh, o profeta e fundador da Fé Bahá'í, desde os primórdios da Fé no século XIX. Os Bahá'ís acreditam que o jejum simboliza o desprendimento do mundo físico, desenvolve empatia pelos pobres e famintos, e gera o desenvolvimento e crescimento da alma.

O jejum Bahá'í tem enormes benefícios físicos, embora o seu objectivo principal seja espiritual.

Os Benefícios Físicos do Jejum

Os seres humanos começaram por ser caçadores e colectores. Os nossos antepassados passavam várias horas por dia à procura comida. O seu estilo de vida exigia isso, porque a comida nem sempre era abundante e, às vezes, nem estava disponível. Isso significava que as pessoas geralmente jejuavam involuntariamente – e depois, quando encontravam comida, regalavam-se.

Como resultado, os humanos desenvolveram gradualmente um código genético, um genótipo, que permitiu que os seus corpos prosperassem, adaptando-se a estes ciclos de abundância e jejum. Ainda temos connosco esse código genético, embora, hoje, a maioria das culturas do mundo desenvolvido se alimente regularmente, consumindo duas ou três refeições por dia, além de lanches e sobremesas, sem interrupções.

Investigações científicas recentes, porém, demonstram os benefícios para a saúde de vários padrões intermitentes de jejum e abstinência voluntária. E porque este padrão reproduz o regime alimentar de abundância/fome dos nossos antepassados, muitos investigadores citam agora as vantagens de esvaziar periodicamente o sistema digestivo humano, e permitir-lhe limpar-se e purificar-se sem a presença constante de alimentos.

Esses estudos mostram que um padrão regular de restrição calórica, no qual as pessoas reduzem a ingestão rotineira de nutrientes com um jejum recorrente, pode proporcionar alguns benefícios de saúde muito significativos. O jejum intermitente reduz os factores de risco para múltiplas doenças crónicas em animais e humanos, e aumenta dramaticamente o tempo de vida, segundo vários estudos realizados com animais. Em Julho de 2013, a revista Scientific American noticiava que:

As religiões há muito que sustentam que o jejum é bom para a alma, mas os seus benefícios corporais só foram amplamente reconhecidos no início dos anos 1900, quando os médicos começaram a recomendá-lo para tratar vários distúrbios – como diabetes, obesidade e epilepsia.

Pesquisas relacionadas com restrições calóricas surgiram na década de 1930, quando Clive McCay, nutricionista da Universidade Cornell, descobriu que ratos submetidos a dietas diárias rigorosas desde tenra idade viviam mais e tinham menos probabilidade de desenvolver cancro e outras doenças à medida que envelheciam, em comparação com animais que comiam à vontade. As pesquisas sobre restrição calórica e jejum periódico cruzaram-se em 1945, quando cientistas da Universidade de Chicago divulgaram que a alimentação em dias alternados prolongava a vida dos ratos tanto quanto a dieta diária nas experiências anteriores de McCay. Além disso, o jejum intermitente “parece atrasar o desenvolvimento dos distúrbios que levam à morte”, escreveram os investigadores de Chicago.

Sabemos que as pessoas que jejuam regularmente apresentam um prolongamento considerável da esperança de vida, juntamente com uma redução de doenças físicas e mentais crónicas comuns na velhice; e que o jejum aumenta a autofagia, uma espécie de sistema de eliminação de lixo nas células que elimina moléculas danificadas, incluindo aquelas que foram anteriormente associadas à doença de Alzheimer, Parkinson e outras doenças neurológicas.

Os Benefícios Espirituais do Jejum

Todas as evidências científicas crescentes sobre os benefícios do jejum para a saúde ajudam a explicar porque é que grupos de pessoas que jejuam regularmente – Budistas, Mórmons, Bahá’ís – tendem a viver vidas mais longas e saudáveis. Mas os ensinamentos Bahá’ís enfatizam os benefícios espirituais do jejum, por isso os Bahá’ís não jejuam simplesmente por razões dietéticas ou relacionadas com a saúde.

Na verdade, os Bahá’ís jejuam principalmente pelos benefícios espirituais. O jejum Bahá’í anual ocorre durante um mês Bahá’í de 19 dias para meditação e oração adicionais, para reflexão e rejuvenescimento. Jejuar desta forma proporciona um período de recuperação espiritual, para refrescar e revigorar a alma, como escreveu 'Abdu'l-Bahá:

...este jejum material é um símbolo exterior do jejum espiritual; é um símbolo do autodomínio, da abstinência de todos os apetites do eu, do assumir as características do espírito, de se deixar levar pelos sopros do céu, e de se inflamar com o amor de Deus. (Selections From the Writings of ‘Abdu’l-Bahá, nº 35)

Portanto, quem quiser jejuar como um Bahá’í, deve simplesmente renunciar a comer e beber durante o dia, de 2 a 20 de Março deste ano. Aproveite o tempo extra que você normalmente usaria para preparar e comer a refeição do meio-dia, para nutrir e refrescar a sua alma, com reflexão, meditação e oração. Pense no ano inteiro e pergunte-se: “O que posso fazer neste próximo ano para melhorar a minha vida e a vida dos outros? Como posso servir a humanidade?

Depois deixe o seu espírito - como escreveu 'Abdu'l-Bahá - “associar-se com as Fragrâncias da Santidade”:

Ó Deus! Como estou a jejuar dos apetites do corpo e não ocupado a comer e beber, purifica e santifica o meu coração e a minha vida de qualquer outra coisa, excepto o Teu Amor, e protege e preserva a minha alma das suas próprias paixões e das características animais. Assim possa o espírito associar-se com as Fragrâncias da Santidade e jejuar de tudo o resto, salvo a Tua menção. (Selections From the Writings of ‘Abdu’l-Bahá, nº 35)

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Texto original: How to Fast Like a Baha’i (www.bahaiteachings.org)

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David Langness é jornalista e crítico de literatura na revista Paste. É também editor e autor do site BahaiTeachings.org. Vive em Sierra Foothills, California, EUA.